A cidade de Detroit, localizada no estado norte-americano de Michigan, vem passando por um processo de êxodo pós-industrial muito significativo. Estima-se que entre os anos 2000 e 2010, quase 25% da população local mudou-se para outras regiões, como resultado da suburbanização e declínio do poder econômico da cidade. Para muitos estadunidenses, Detroit se tornou exemplo da deterioração urbana pós-industrial.
Essa mudança culminou em mais de 30% de casas e edifícios abandonados e uma arquitetura desoladora – fábricas em ruínas se misturam com arranha-céus deixados ao léu – além de uma população carente e bastante fragilizada socialmente. Foi em meio a esse cenário perturbador que surgiu o The Heidelberg Project.
Criado por Tyree Guyton, em 1986, o projeto promove a ocupação artística de uma área de dois quarteirões em um bairro da cidade. A matéria-prima? Uma variedade enorme de objetos e materiais resgatados do lixo.
O artista iniciou o projeto em resposta à deterioração da vizinhança onde morava. Usando a arte como agente motivador de mudança, ele iniciou os trabalhos com a limpeza de terrenos baldios com o apoio de seu avô e das crianças que moravam no bairro. Com os objetos que recolhiam, Guyton redecorava as fachadas e espaços abandonados da região, desenvolvendo “obras de arte” gigantescas. A partir de então, o trabalho foi crescendo: lotes vazios se tornaram jardins de arte públicos; logo depois, o bairro ganhou uma rua cheia de bolinhas coloridas. O que antes era lixo, recebeu cor e significado e acabou virando atração.
O local, que antes abrigava um ambiente totalmente devastado, aos poucos converteu-se em um colorido e lúdico espaço voltado para o diálogo e recreação dos moradores da região. “Eu comecei a mudar o ambiente”, diz Guyton, e completa: “eu comecei a mudar a mim mesmo. E isso teve um efeito nas pessoas”.
Desde a criação do projeto não houve registro de nenhum crime grave ocorrida na repaginada rua Heidelberg, a principal do bairro. O antigo ponto de tráfico de drogas e violência se transformou em espaço público no qual as crianças podem brincar livremente e os visitantes, ficar à vontade. Guyton inseriu a arte em uma comunidade carente de boas perspectivas e convidou seus membros e moradores a participar das criações junto com ele, retomando o senso de pertencimento e orgulho que havia se perdido ao longo do tempo.
Atualmente, o projeto transformou-se em um movimento organizado e conta com um quadro completo de colaboradores, um novo escritório, balcão de informações, artistas residentes e uma galeria. O Heidelberg Project organiza eventos como festivais, visitas guiadas, palestras, workshops, programas educacionais e exposições de artistas emergentes no espaço destinado à galeria.
Jenenne Whitfield, diretora executiva da organização, explica que o projeto é uma nova abordagem para reimaginar a comunidade por meio da arte. A filosofia do projeto é que a arte pode agir como um catalizador para a mudança social, um remédio que afeta os pensamentos e atitudes dos membros da comunidade e, em último caso, gera mudanças de comportamento bastante positivas.
Um belo exemplo de reestruturação de espaços públicos de uma forma simples e com um grande poder transformador.
Imagens: Scott Kreider
Relações-públicas e viajante na horas vagas. Arte, moda, viagem e decoração são seus assuntos favoritos, mas inspira-se com tudo de belo e criativo que existe por aí.